A interação entre comunidades atendidas pela saúde pública e profissionais de saúde é fundamental para o estabelecimento de vínculos entre população e equipes das unidades. Só com acolhimento e escuta qualificados para detectar as necessidades de saúde é possível criar vínculos e propor intervenções que influenciem os processos de saúde-doença dos indivíduos, das famílias e da própria comunidade, como preconiza a Portaria nº 2.488/2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Não é à toa que os vínculos criados entre comunidade e equipes de saúde são ativos valorizados por gestores públicos atentos a essa necessidade.
Na Unidade Básica de Saúde (UBS) Icaivera, localizada no distrito sanitário Vargem das Flores, a saída de um médico muito querido pela população causou certa apreensão entre gestores, equipes e comunidade atendida. Trata-se de Airton Rogério Barbosa, médico que atou na UBS Icaivera por aproximadamente três anos. Com a ampliação dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF-AB) na cidade que ocorreu a partir do ano de 2017, o médico, pediatra experiente, foi direcionado para o atendimento especializado e passou a não mais atender na unidade. Para substituí-lo, Jeiel Campos de Oliveira, médico da Família, chegou à unidade em maio de 2017.
Havia, por parte da população e de gestores, uma preocupação quanto à estabilidade de vínculo com a comunidade atendida e com a equipe já estabelecida pelo médico Airton, que era muito querido por todos. “O vínculo com a comunidade já havia estabelecido e a equipe já estava estabilizada”, confirma o diretor do distrito sanitário Vargem das Flores, Flávio Luiz dos Santos. Além disso, Jeiel era recém-formado, o que contribuiu com essa apreensão. Mas, hoje, um ano e quatro meses após a chegada de Jeiel, há um alto grau de aceitação do médico pela comunidade do Icaivera e pela equipe multidisciplinar da unidade.
Nascido em Contagem, o médico da Família Jeiel Campos de Oliveira conta que morou por oito anos na Bolívia, onde estudou medicina. Jeiel afirma que a criação de vínculos foi muito importante para que ele pudesse conhecer melhor os usuários e suas famílias e praticar os cuidados primários de saúde junto à população que têm, hoje, a qualidade reconhecida pela comunidade. “Fortalecer o vínculo é importantíssimo. Com ele, a pessoa passa a aderir melhor ao tratamento, que por sua vez passa a dar mais certo. Às vezes, só de a pessoa poder conversar, ser ouvida e orientada já acontece uma melhora, com encaminhamento da demanda sem medicação. Aí, com a melhora, a pessoa comenta com um vizinho, que pode ser alguém que não vai ao posto de saúde há muito tempo e que se sente incentivado a ir. E nesse processo, também vamos conhecendo os familiares, o contexto familiar e a realidade na qual vive esse usuário. Se não tiver o vínculo, eu não consigo entrar no problema dele e no da família. Depois de quase um ano e meio atendendo aqui na unidade, passei a conhecer os usuários. Quando chega a vez de serem atendidos, vou eu mesmo à porta da recepção chamá-los pelo nome e olho nos olhos, porque já os conheço”, atesta o médico.
O relato de Jeiel mostra como o vínculo é importante para o fortalecimento das ações de prevenção e promoção à saúde no âmbito da Atenção Básica. Mas o fortalecimento do vínculo também pode contribuir para a segurança dos profissionais que trabalham com o atendimento à saúde primária em locais com alta vulnerabilidade socioeconômica, como é o caso da região na qual a UBS Icaivera está inserida. É o que afirma o médico da Família Jeiel. “A criação de vínculo ajuda a manter criminosos longe da unidade. Eles sabem que estamos promovendo o cuidado junto às pessoas da comunidade e, entre elas, há parentes como mãe, pai, filhos, irmãos e outros familiares. Desde que eu cheguei aqui, há quase um ano e meio, não houve nenhum incidente desse tipo”, diz o profissional.
Atendimento integral
Oriana Ferreira dos Santos é mãe da pequena Celeste Hermínia, que tem quatro meses de idade e passou por uma consulta com Jeiel na terça-feira (25). A bebê estava acompanhada da mãe e do pai, Rony Raimundo dos Santos. Oriana conta que fez todo o pré-natal de Celeste com Jeiel e Edelza, que é enfermeira na unidade. “Eu sou suspeita para falar, mas eu gosto demais dos dois. São muito atenciosos com a gente. Não é aquela coisa só de consultório, sabe? Eles conversam com a gente”, diz Oriana.
O relato de Genilda Correia Duarte, que integra a equipe do médico Jeiel como Agente Comunitária de Saúde (ACS), a equipe 15, mostra a integração de Jeiel também junto à equipe multidisciplinar. Enquanto esta matéria era apurada, ela fez questão de procurar a equipe de reportagem para também dar o seu testemunho. Ela conta que trabalha na unidade há dez anos e que a chegada do médico à unidade contribuiu com uma melhoria nos fluxos de encaminhamento de usuários. “O doutor é flexível e a equipe atua junto”, comenta a servidora. “Elas me orientam sobre os usuários”, completa o médico.
O médico resume o ciclo que se estabelece com a formação de vínculo entre equipes e comunidade. “O carinho que tive de gestores, equipes e população quando cheguei aqui foi muito importante para isso. Eu falo para eles: enquanto vocês cuidarem de mim, eu cuidarei de vocês”, finaliza Jeiel.